1.
Liberdade versus Autoridade?
Para
Savater (1997), citando Hegel, «ser livre não é nada, tornar-se livre é tudo».
Segundo este autor a liberdade é uma conquista.“Nenhum dos seres humanos é
«livre» se por tal entendermos ser capaz de inventar-se completamente a si
mesmo apesar da sua herança biológica e das suas circunstâncias ambientais
[…].”
Por
outro lado é importante darmo-nos conta da profundidade da relação entre estes
dois conceitos, que talvez não exista liberdade sem autoridade, um conceito não
exclui o outro, mas acompanha-o como referem Reboul (2000) e Cabanas citando
Reboul:
E
o verdadeiro debate não é entre uma liberdade e uma
autoridade igualmente abstratas, mas entre as
diferentes figuras de
autoridade: qual
é a mais apta para educar, isto é, para formar liberdade? […]
[o
fito da educação] é permitir a cada qual aprender por si mesmo
dispensando o professor, e ir do constrangimento para o
auto-constrangimento ser maior.
(Reboul,
2000)
«
[…] não significa simplesmente contradição, mas também oposição
de
duas leis, quer dizer, de duas regras, cada uma das quais pode
reivindicar com justiça a nossa adesão.
Desconhecer uma destas
duas
regras opostas será uma violência arbitrária do espírito, um dogmatismo.»
(Cabanas, 2002)
Para
que os alunos não se prejudiquem a si e aos outros tem que haver referências de
autoridade, regras a cumprir e constrangimentos para quem não os cumpre. Porém, o objetivo da autoridade é a integração social e o convívio harmonioso entre
todos, não é que fiquemos dependentes dela e deixemos de atuar de determinada
maneira com medo de sermos castigados, mas com a responsabilidade e consciência
de porque é que não o devemos fazer, como refere Kant, citado por Cabanas:
[…] Como cultivar a liberdade pela
coação? Devo acostumá-lo
[educando] a sofrer uma coacção na sua liberdade, e ao
mesmo
tempo
devo guiá-lo para que faça um bom uso dela. Sem isto tudo
é
um mero mecanismo e uma vez acabada a sua educação não
saberia servir-se da sua liberdade.
(Cabanas, 2002)
Como
fim, será ter um sentimento de autoridade e liberdade implícitos pelos quais
nos vamos regulando. Essa autonomia pode e deve ser potenciada em educação,
como veremos mais à frente.
(...)
Foi com a intenção de querer ser um
estabelecimento de educação de referência, e não autoritário, que este colégio
se inspirou na pedagogia do modelo do Movimento da Escola Moderna (que teve a
sua origem na década de 60):
O Movimento da Escola Moderna é uma
associação de profissionais de
educação que se assume como
movimento social de desenvolvimento
humano e de mudança pedagógica.
Propõe-se construir respostas contemporâneas
para uma educação escolar intrinsecamente
orientada para
valores democráticos
Foi
há cerca de 10 anos que o nosso colégio sentiu necessidade de trazer para a
sala de aula e escola a vivência em comunidade. Era importante que os alunos
percebessem que a vida da escola ou da sala seria muito semelhante àquela que
teriam em sociedade quando crescessem. Daí a importância de proporcionar-lhes vivências
concretas de exercício de democracia, intervenção, participação comunitária e
social. Estes e outros valores, para além de serem construídos através da
reflexão em assembleia ou conselho de turma ou do estudo autónomo, são vividos
no dia-a-dia da turma, na escola e em determinados momentos em casa. O
professor não é visto como o centro do saber, mas como um orientador do
processo de aprendizagem e uma referência no relacionar dos saberes.
Tem
sido muito interessantes e enriquecedoras as reflexões que este modelo
pedagógico tem possibilitado, tanto com os encarregados de educação como com a
restante comunidade educativa. A relação entre liberdade e autoridade está
muito presente como mote para a reflexão sobre os valores que se pretende
construir no colégio. Somos seres imperfeitos à procura do equilíbrio entre
perfeição e imperfeição e por isso muitas vezes caímos nos extremos do
fundamentalismo que nos cega. Por isso para o nosso desenvolvimento moral
enquanto instituição e profissionais da educação é tão importante a partilha,
com outros colegas, de medos, de inseguranças, mas ao mesmo tempo de
estratégias e possíveis soluções.
O
modelo do movimento foi um ponto de partida, porém a nossa curiosidade e
vontade de chegar mais fundo nestas questões, não se esgota nele. Têm sido
muito importantes as leituras e pesquisas que temos feito de outros modelos de
trabalho semelhantes nos Estados Unidos, por exemplo: Organizações que
investigam as relações interpessoais no contexto educativo, partindo da clarificação
de valores (de Raths); ou a vivência em comunidades justas (com base na teoria
cognitivo-desenvolvimentista, de Kohlberg).
Assim,
neste colégio tanto os adultos (como os alunos uns com os outros) procuram ser
referências de autoridade, construída em contexto educativo. Assumimos,
obviamente, que por sermos seres imperfeitos, algumas vezes, ainda derrapamos,
infelizmente, para o autoritarismo. É por isso que tanto o pessoal docente como
não docente procuram frequentar formações com vista à construção de uma
estrutura pessoal, que os ajude a compreender a rebeldia ou desinteresse de
alguns alunos, sem associar a faltas de respeito. Procuram perceber as suas
motivações, apropriando-se de mais estratégias e serenidade, que lhes permitam
exercer a sua autoridade sem se descompensarem, ao usarem um tom de voz ou
expressão corporal desadequados.
Texto redigido por:
Marta Chumbinho
Assessora da Direção
Suporte
Bibliográfico
Altarejos Masota, F. et al. (1991-98). Filosofia de la Educación Hoy (pp. 72-73 e 360). Madrid: Dykinson.
Cabanas, J. (2002). Teoria
da Educação: Concepção antinómica da Educação. Porto: Edições Asa.
Reboul, O. (2000). A
Filosofia da Educação (pp.53-61).
Lisboa: Edições 70.
Savater, F. (1997). O
valor de educar (pp. 67-81). Lisboa: Editorial Presença.