quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A importância do Conselho para o desenvolvimento sociomoral das crianças

Tanto no Jardim de Infância como no 1º Ciclo o Conselho de Cooperação faz parte das rotinas diárias dos grupos, possibilitando a participação democrática das crianças tanto na definição e organização das atividades semanais, como na gestão de conflitos, construção de valores e de regras de convivência. A vivência em Conselho e a sua estrutura vão evoluindo em cada grupo de acordo com as realidades das crianças e sua faixa etária.

Para melhor clarificar a sua relevância na formação pessoal e social das crianças, apresentamos um excerto do artigo Contributos da prática de Conselho de Cooperação Educativa para o desenvolvimento socio-moral dos alunos, redigido pela nossa Diretora Pedagógica do 1º Ciclo, Marta Louseiro e publicado na Revista do Movimento da Escola Moderna em 2011.

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O Conselho de Cooperação
O Conselho de Cooperação é uma estrutura organizativa e formadora por excelência, que tem vindo a ser desenvolvida no seio do Movimento da Escola Moderna (MEM) desde a sua origem, sobretudo a partir dos contributos da Pedagogia Institucional. A prática de Conselho que, hoje, se discute no MEM, já é muito diferente da “Assembleia” que Freinet instituiu com os seus alunos no início do século XX porque, nas palavras de Sérgio Niza, “a valorização das funções do Conselho como locus instituinte da vida em desenvolvimento do grupo turma em cooperação, deve-se à forma como soubemos no MEM acompanhar e dialogar nos anos 60-70 com as posições conflituantes, mas inovadoras dos que criaram a Pedagogia Institucional em França” (Niza 2003).
A realização do Conselho de Cooperação na sala de aula, permite o livre exercício da prática democrática directa, com vista ao desenvolvimento socio-moral dos alunos, integrados em verdadeiras comunidades cooperativas de aprendizagem. “A Assembleia ou Conselho Cooperativo foi para mim a génese do que entendo hoje por Conselho de Turma. Enquanto Conselho de Cooperação Educativa é uma instância não somente de partilha de poder, mas de exercício directo da participação democrática na escola e motor do desenvolvimento moral (para a cooperação através da cooperação) e do desenvolvimento social e cívico (pela promoção do auto-controle e da construção das normas e dos valores democráticos vividos numa instituição educativa auto-regulada por consensos negociados)” (Niza, 1991, pág.30). Nesta expressão Sérgio Niza clarifica dois princípios fundamentais que estão na base do Conselho que realizamos hoje com os nossos alunos: a participação democrática directa e a cooperação. O Conselho não é uma instância representativa e burocrática de exercício de poder, à imagem do funcionamento político nas democracias actuais. Em Conselho cada um expõe os seus pontos de vista, as ocorrências que foram significativas para si, positiva ou negativamente, faz as suas propostas e, quando assim é estipulado, gere o próprio Conselho. A função de presidente e secretário não é atribuída a um único ou a um grupo restrito de alunos, de acordo com um critério definido pelo professor ou pela escola. Também não está sujeita a votações ou campanhas. Todos, rotativamente, assumem essas funções, uma vez que, em Conselho, não imperam hierarquias de poder, mas sim o valor da igualdade e da cooperação, respeitando e tendo em conta as especificidades de cada um. Todos são igualmente responsáveis por esta instância, participando nas várias funções que lhe estão implícitas.
Diz-nos Francisco Leitão, a partir dos contributos de Vygotsky acerca da aprendizagem cooperativa, que “a criança aprende quando numa diversidade de contextos, se envolve em actividades e processos conversacionais com os outros, com os adultos e parceiros da idade com quem convive. Gradualmente, estes processos conversacionais, estes diálogos e actividades com os outros, são interiorizados, estruturando-se como uma linguagem interior, um centro organizador que dirige e regula os comportamentos e pensamentos da criança. Desta forma, a linguagem interior, as conversações que mantemos connosco próprios, têm a sua origem nas conversações e diálogos sociais que estabelecemos com os outros, constituindo-se como mecanismo decisivo nos processos de aprendizagem, planificação e auto-regulação” (Leitão, 2006,pág.27). Em Conselho de Cooperação, promovem-se os tais “processos conversacionais”, os quais interagem com a construção de uma “linguagem interior”, através de consensos mediados cuidadosamente de semana para semana. Vai-se, deste modo, construindo um quadro de valores e regras de vida que conferem ao grupo uma identidade própria e o estatuto de verdadeira comunidade de aprendizagem. Segundo Mason (2003, pág.248), uma comunidade de aprendizagem “… é, antes de tudo, a consciência das metas a alcançar intencionalmente através das actividades escolares, a qual deve pôr em movimento um comportamento motivado, estratégico, reflexivo, auto-controlado e auto-regulado, orientado constantemente para essas metas. (…) A capacidade de pensar sobre o pensamento, de reflectir conscientemente sobre si mesmo como pessoa que pensa e aprende, de monitorizar e corrigir a própria actividade de elaboração mental, é exigida, e praticada efectivamente, no contexto concreto em que se desenvolve a aprendizagem colaborativa na classe.” Acredita-se, portanto, que os “processos conversacionais”, estabelecidos de forma cooperativa e autêntica, a partir das ocorrências que fazem parte da vida da turma, levam à construção de uma “linguagem interior” que se enquadra na dimensão metacognitiva de cada indivíduo; cada um vai sendo capaz de, na sua especificidade, modelar a sua forma de pensar e agir em função dos compromissos que assume com a sua comunidade, pensando sobre as suas próprias formas de pensar, conhecendo-se melhor e adequando esse conhecimento e atitudes à linguagem comum do grupo em que se insere. É um processo dinâmico, de transformação interior, que ultrapassa a dimensão do fazer e do agir, levando cada indivíduo a pensar sobre o seu próprio pensamento, a reflectir acerca da sua própria acção e formas de aprendizagem, de modo a transformar-se e retransformar-se, dentro dos padrões morais e sociais construídos em cooperação. Assim, o desenvolvimento socio-moral dos alunos não se faz de forma transmissiva, imposta pelo professor, tendo em conta as normas sociais vigentes, mas “a sua interiorização resulta da própria consciência moral da criança. Quer dizer, quando os alunos se tornam conscientes de que são parte integrante de uma comunidade humana. Isto faz com que livre e voluntariamente se sujeitem ao respeito pelos normativos que regem essa comunidade. É revendo-se nas regras que se submetem a elas, respeitando-as, isto é, que as interiorizam” (Serralha, 2007, pág.10).
Em Conselho regula-se toda a vida da turma, nas perspectivas curricular e social porque “é a participação activa das crianças e dos jovens, na construção das aprendizagens e em tudo o que estas envolvem: planeamento, avaliação, manutenção e gestão do espaço e dos materiais que sustentam a organização, que lhes vai permitir fazer a aquisição das competências sociais, desenvolver a responsabilidade, concedendo-lhe também a oportunidade de exercício efectivo do poder. Assim, todo o acto educativo se desenvolve e vai crescendo pela cooperação” (Serralha 2007, pág.6). 
  
Já fui referindo os princípios teóricos relativos à importância e intencionalidades do Conselho de Cooperação. Mas, do ponto de vista mais prático, como é que o Conselho funciona, afinal? Em primeiro lugar, é importante esclarecer que o Conselho é constituído por vários momentos; sempre que se planifica, avalia, negoceia, ou se discute a vida do grupo, assume-se estar em Conselho. Ora, de modo mais formal, estão instituídos diariamente dois breves momentos de Conselho, de manhã para planificar e, no final no dia, para avaliar o cumprimento desse mesmo plano. À segunda-feira, o momento da planificação é mais alargado, uma vez que se planifica o trabalho de toda a semana, nas suas diversas dinâmicas, desde os momentos colectivos, ao trabalho individual, mediado pelo Plano Individual de Trabalho. É também nesse momento que se avaliam e trocam as tarefas, de rotatividade semanal. A semana termina com o Conselho de sexta-feira à tarde, em que se lêem e discutem as ocorrências Diário de Turma. Este instrumento está presente ao longo de toda a semana e é o espaço comunicativo onde as crianças e adultos podem registar os acontecimentos mais significativos que viverem; no Diário de Turma existe um espaço denominado de “gostei”, para as ocorrências positivas, outro espaço denominado de “não gostei”, destinado ao registo de ocorrências mais conflituais ou negativas e ainda o espaço do “proponho” que, fazendo jus ao nome, é onde se registam as propostas que cada um quer fazer à turma.
No início de cada Conselho de sexta-feira, os presidentes lêem a acta da semana anterior e verificam o cumprimento ou incumprimento dos compromissos assumidos. Não nos alongamos muito porque, relativamente aos compromissos que não foram cumpridos, acabam sempre por surgir ocorrências no diário que depois se discutem, levando aos mesmos assuntos.
Cada par de presidentes organiza-se como considera melhor, mas o habitual é um deles se ocupar da leitura das ocorrências e escrita da acta, e o outro ficar encarregue de dar a palavra e gerir as intervenções. Está combinado que, em primeiro lugar, se dá a palavra ao autor da ocorrência, depois às restantes pessoas envolvidas e só depois disso é que se alarga a discussão à turma. O objectivo é as pessoas que agiram de forma incorrecta assumirem compromissos, depois de terem reflectido sobre as consequências do que fizeram, colocando-se no lugar dos outros e pensando de que forma é que poderão agir melhor das próximas vezes. É comum a turma dar sugestões e adoptar estratégias para ajudar essas pessoas a levarem a cabo os seus compromissos. (...)"

Louseiro, M. (2011). Contributos da prática de Conselho de Cooperação Educativa para o desenvolvimento socio-moral dos jovens. Revista do Movimento da Escola Moderna, nº39, pp. 13-16.

 

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